Lembras-te do que fazíamos?
Uma desafiava sempre a outra e a gula falava sempre mais alto (pelo menos no meu caso que não era preciso muito insistência...nenhuma mesmo).
Nem era bem a gula...era mais o que partilhávamos...
Daqui para a loja íamos a conversar...banalidades que, só a nós, nos divertia, de fio de lã ao pescoço e agulhas imaginárias em riste e lá íamos a tricotar ( e se tu tinhas jeito para a coisa- adorei a mantinha que fizeste) e da loja para cá...quem precisava de palavras?
Vínhamos com a boca cheia (eu vinha - tu eras mais comedida e tiravas um a um enquanto eu era logo uns três ou quatro) a saborear o momento.
Eu rasgava o saco dos malteseres (como só eu era mestra em fazê-lo) e começávamos a caminhar com o com o saco no meio de nós...e ficávamos com os dedos todos peganhosos (eu, era mais a mão)...
Pensava eu: Se tenho os dedos sujos já sei que vou sujar a camisola, é certinho direitinho! - sorria para ti e
dizia em voz alta: Camisola coiso (eu exprimia-me quase com urros e achava que pôr sempre a palavra coiso ou coisa no final que toda a gente compreendia...)
Tu pensavas: Antes que isso aconteça chupa melhor os dedos...e
dizias em voz alta: - só se deixares!
Eu pensava: Sou uma desastrada, mesmo que chupe os dedos antes arranjarei maneira de sujar a camisola, nem que seja com baba!
e
dizia em voz alta: é cármico!
e
pensavas tu: Se tiveres cuidado não te sujas, minha porca!...e
dizias em voz alta: -Não tens remédio!
Eu ria-me e saltavam-me gafanhotos castanhos pela boca e pelo nariz. Já sabia que me tinha chamado "minha porca" em pensamento! E tu rias-te por veres que eu estava com o nariz cheio de ranho castanho.
E era assim. Em sintonia. Conversas perfeitas (do meu ponto de vista) que nunca foram faladas.