Bom...que fazer? Hoje tou numa de pôr os meus devaneios à disposição dos meus conhecidos ;)
sendo assim aqui vai a pior de todas mas prometo que (por hoje) será a última:
"Ela falou-lhe e ele gritou para se calar. Queria voltar atrás mas não devia conseguir voltar para além da sua asa. Queria esticar o pescoço mas a bola de Adão movia-se com a rapidez que uma lua leva a completar um ciclo solar. Ele andava atrás dela e por trás voltava a manifestar a sua ignorância, apontar o dedo era fácil o pior era enfiá-lo na ranhura da porta. Cala-te! Já não a podia ouvir! Quando a chuva caía as palavras histéricas jorravam daquela boca, angustiantes como duas bolas de ping-pong. Vem vai. Vem vai. Vai-te de vez besta-quadrada e quando desceres as escadas pergunta ao caracol se ele te leva para cima ou para baixo como um elevador redondo com casca partida. O ovo era mais fácil de partir que a unha do pé mas o verniz que o envolvia protegia de maleitas menores. Mas era ele que gritava e não ela. Então porque a mandava ele calar-se? Ele é que devia coser a boca de trapos com uma linha de teia de aranha. Aquela aranha que se encontrava ao canto da parede que quando as moscas pousavam atacava sem piedade tal era a sagacidade de aprisionar um insecto. O insecto queria voltar atrás mas não conseguia voar para além da asa, enredada naquele oleoso composto macerado pelo aracnídeo. Quantas vezes ele lhe pedia silêncio quando quem gritava era ele. Ele estava a ficar surdo. Qualquer dia fica mudo. Não compreendia que aquele grito era o dele, estava a ficar louco. Andava a saltitar no pó que as nuvens levantavam quando corriam para a beira do oceano que pacifico levava as suas correntes para outros mares até às profundezas da terra. Cala-te, gritava ele sem se fazer ouvir. Quantas vezes tenho que me repetir? O pó formava gotas nos pés, que doridos continuavam a espernear. Entrava-lhe nos pulmões como fumo de tabaco e a maçã-de-Adão movia-se para poder esticar opescoço. Quantas vezes mais? Já ninguém o ouvia porque ninguém falava, ninguém gritava, era contra a sua natureza estar sozinho. Onde é que estão as pessoas? Quais pessoas? Não estava lá ninguém. Ele nadava confortavelmente no penico que tinham posto debaixo da cama. Ultrapassava barcos gigantescos que flutuavam ao seu lado esquerdo. Quando respirava esticava o pescoço mas a maçã-de-adão impedia-lhe de abrir a boca. Para quê? Podia respirar pela picota onde algumas moscas tinham pousado antes. Mas a aranha continuava à caça. Dali não passavam as moscas. Tinha teias de aranha no nariz. Era para filtrar. Assim o pó que respirava cheirava-lhe a rosas vermelhas que se escondiam atrás do muro da senhora que gritava. Ou era ele que gritava? Sozinho, sem ninguém o ouvir, podia gritar, não fazia mal a uma mosca. A mosca já estava morta. Foi a aranha que a dissecou. Estava com fome e o raio da maçã-de-adão erguia até à macieira para recolher as folhas do chá. Acalmava, diziam eles. Mas se não era de camomila como é que podia aquilo pretender atingir os fins para que tinha sido criado. Abusavam da sua paciência. aquela coisa amarela não era chá, não podia ser e ele sabia-o porque tinha saído do seu próprio corpo. Não era suposto beber aquele líquido. Ele sabia-o não o podiam obrigar a beber, ele já por lá tinha passado quando nadava. Era melhor voltar para trás mas não podia voar para lá da asa. Então ia a nadar, não tinha outro remédio, podia ser que um barco parasse e o levasse para as profundezas da terra de modo a poder completar o ciclo lunar. Mas estava muito escuro e queria regressar. Esvaziaram o penico para a fossa mas era de lá que ele ia sair determinado a completar o ciclo solar. Queria a luz. Isso. Queria voltar a ver a luz que dentro do penico vinha filtrada pelas teias de aranha. Raios, esta mosca não me larga. Chata. Vai pousar na picota, sei que vai. Será a tua última vez. O cheiro a rosas intensifica-se com o passar dos anos. Foi a mulher que está atrás do muro que as guardou. Guardou-as num jarro fechado e regava-as com chá. Chá de maçã dizia a senhora por detrás do muro. Não! Esse não. Já disse que não o bebo! Era tal como o cinzeiro amarelo que aparecia em todos os quadros daquela outra senhora. Tinha mamíferos que saltavam de árvore em árvore com guinchos provocadoramente assustadores. Mas esses não podiam sair de dentro da picota, os fios tecidos pelo aracnídeo não deixavam passar nada mais do que o raio solar e para sentir a luz tinha que sair do penico. Cala-te mulher! Ou era ele que gritava? Estava a ficar surdo e não conseguia falar por causa da maçã-de-adão. Beba chá! Cala-te, estás sempre a gritar! Ou era ele que gritava? Não, não era ele. Afinal quem gritava era eu. Ajudem-me o penico é fundo!"