R.I.P.


Não…não vou falar do filme. Vou falar de Amélia e do seu não tão fabuloso destino. A história de Amélia inspirou-me, há uns quatro ou cinco anos atrás, a começar a fazer um projecto que há muito eu desejava. Escrever um livro. Quando o comecei a escrever toda a história se desviou…logo ali…na primeira página…teve que ser para ter um sabor diferente…desta Amélia que conheci.
E assim reza a história:
Amélia nascida em 1910 fica, poucos anos depois, órfã de pai e mãe. Ela e a irmã. Despejada na casa de uma tia que tinha os seus próprios descendentes e uma situação financeira precária é posta em pouco tempo sob a protecção da Casa Pia. Desenvolve o instinto de sobrevivência e agilidade de pensamento para se safar. É arguta e desconfiada. Vê e escolhe os seus pais adoptivos pela quantidade de ouro que carregam. Faz-se doce, carrega no sorriso e safa-se. É levada para o Ribatejo e separa-se da irmã. Devidamente educada aprende a ler e a escrever. Faz contas de matemática de trás para a frente. Conhece o João, homem com quem se casa mais tarde, afinando-se com as irmãs dele. E dele tem quatro filhos culpando-se pela morte do último. Os filhos crescem com a rigidez da educação que ela lhes proporciona. Alguns castigos, mais duros, nunca foram esquecidos e as suas mentes são para sempre condicionadas e viradas para o lado negativo da vida. Os filhos casam-se, mudam-se e têm os seus próprios filhos. Os netos…os pais que os criem. A neta “caçula” em casa dela…nem pensar! A imã à muito deixada para trás suicida-se por não suportar uma vida triste de maus-tratos. O João não resiste a uma vida de trabalho duro no campo. E ela começa a receber o apoio que os filhos lhe tentam proporcionar. E acaba por criar conflitos com as noras. Enrola-se num jogo de intrigas e maledicências…um diz que me disse…que nunca acabou. As noras cortam relações com ela. E ela volta para casa…sozinha. O único consolo é a sua única filha que a leva por temporadas para sua casa. De todas as vezes vem de lá zangada com ela. Não tem grandes amizades. Arranja conflitos com as pessoas mais próximas. Anos mais tarde cai à cama e começa a preparar os filhos para a receberem nas respectivas casas. Uma das noras aceita-a mas a outra permanece irredutível…e é a neta “caçula” que a recebe na sua casa. Vai de três em três meses para casa de cada um dos filhos e neta. E começam a existir intrigas novamente…um diz que me disse. Os filhos brigam uns com os outros. Proferem palavras partidas. Cada um vai à sua vida e é a sua única filha que se predispõe a tratar dela. Leva uma vida atormentada pelas lembranças. Fez tudo para alcançar a felicidade mas só a viu raspar ao lado. Desconfia de tudo e de todos. Não é feliz. Nunca o foi e continua arguta e desconfiada após 96 anos. Foi hoje a enterrar. Lágrimas? Sim…dos que privaram com ela nos últimos anos (filha e netos). Para além da filha só um dos filhos assistiu…levado pela neta “caçula”…o outro...não “pôde”. Foi hoje a enterrar. Lágrimas? Da neta "caçula"?Sim…teimaram em saltar para fora mas não pela sua partida…não pela saudade…mas sim porque desperdiçou toda a sua vida e fez com que os dois filhos que lhe prestaram as últimas homenagens…tivessem quase lado a lado…sem se falarem sem se reconfortarem…sem nada que os unisse. Agora…que descanse em paz!

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